terça-feira, 11 de maio de 2010
Arte acelerada, na Folha de S. Paulo
SILAS MARTÍ
Estampado na capa do catálogo de um leilão paulistano, um trabalho de Adriana Varejão foi arrematado, na semana passada, por R$ 551 mil sob aplausos tímidos e um "parabéns" do leiloeiro. A quadras dali, colecionadores disputavam obras no pavilhão da Bienal, que pareceu pequeno demais no furacão da SP Arte.
Em dez anos, obras de Varejão, Cildo Meireles, Vik Muniz e Beatriz Milhazes chegaram a se valorizar até 5.000%.
A entrada de megainvestidores no mercado de arte também promete anabolizar preços. "É o ativo mais valorizado, mais do que ações, mais do que o dólar, mais do que o ouro", diz Heitor Reis, que está liderando um fundo de investimentos de R$ 40 milhões para comprar arte brasileira. "É superagressivo", diz a galerista Márcia Fortes. "Está demasiado acelerado."
Mercado opera em ritmo artificial
Com escassez de obras consagradas no mercado, trabalhos de artistas ainda em ascensão entram em espiral de valorização.
Estudo de investidores mostra que peças de Cildo Meireles, Adriana Varejão e Beatriz Milhazes valem 50 vezes o que valiam em 2000.
Num mercado enxugado pela altíssima demanda, obras de artistas consagrados, em geral os mortos, estão cada vez mais escassas, abrindo um vácuo para que as bolas da vez da arte contemporânea se transformem mais cedo que nunca em fetiche de colecionadores.
Beatriz Milhazes, Cildo Meireles, Vik Muniz e Adriana Varejão viraram cifrões luminosos em cartelas de investimento. Na cola deles, nomes da novíssima geração, como Thiago Rocha Pitta, Tatiana Blass, Henrique Oliveira e André Komatsu já sofrem especulação.
"Poucos ativos têm potencial de valorização tão grande quanto arte brasileira", diz Rodolfo Riechert, da consultoria Plural Capital. "É um dos melhores campos para investir."
Junto de Heitor Reis, ex-diretor do Museu de Arte Moderna da Bahia, Riechert criou um fundo de investimentos de R$ 40 milhões para arte brasileira. Um estudo que fizeram circula entre possíveis investidores e mostra que obras de alguns artistas hoje chegam a valer 50 vezes o que valiam há dez anos.
"Essa figura do investidor, que é comum lá fora, começou a aparecer também por aqui, gente que viu que comprar uma Beatriz Milhazes é um alto investimento", diz o galerista Oscar Cruz. "É sinal da evolução do mercado, é uma tendência."
No caso, tendência que leva o mercado a operar num ritmo artificial. A entrada de megainvestidores no circuito, às vezes mais interessados em lucrar com a revenda de obras em momentos estratégicos do que formar coleções, vem sustentando uma bolha especulativa e tornando menor o intervalo entre o momento em que o artista surge no circuito e a hora em que suas obras vão a leilão.
Espiral de valor
Trabalhos chegam a valer até cinco vezes sob o martelo do leiloeiro o preço que têm no cubo branco das galerias. Isso porque elas não têm "pronta entrega", nas palavras de Jones Bergamin, diretor da Bolsa de Arte, a casa de leilões mais importante do país. "Eles não têm como suprir a demanda do mercado, já que a rotatividade está muito intensa e o gosto muda muito rápido."
Dependendo desse gosto, séries específicas de alguns artistas, como as fotografias com diamantes, de Vik Muniz, ou as paredes que simulam charque, de Adriana Varejão, entram numa espiral descontrolada de valores. Isso pode estancar a demanda por esses artistas e levar a uma eventual desvalorização, ou seja, ao estouro da bolha.
"Tem gente que retira obra da galeria e manda entregar na casa de leilão", diz Márcia Fortes, da Fortes Vilaça. "É péssimo porque essas pessoas não representam o artista, só trabalham a especulação da obra", diz o galerista André Millan. "Mas não tem controle, a gente não comanda o espetáculo."
No máximo, galeristas tentam conter a alta excessiva dos valores comprando de volta obras de seus artistas que surgem no mercado. Até vão a leilões para resgatar suas obras e evitar que não sejam vendidas.
Mas, enquanto galeristas no país se assustam, esse movimento é normal no mercado internacional, sinal de que o país se aproxima de hábitos de consumo praticados lá fora. "Isso é bom, a gente tem de abrir a cabeça", diz Maria Baró, galerista espanhola radicada em São Paulo. "Isso de ficar marcando território é um erro."
(SILAS MARTÍ)
Impostos sobre obra de arte podem chegar a até 42% de seu valor em SP
Na semana passada, uma agente do Ministério da Cultura recebeu uma ligação da Receita Federal. Diziam querer doar ao Iphan uma obra de arte apreendida em 2009 no aeroporto de Viracopos. A tela, que chegou numa caixa com valor declarado de US$ 1.200, é, na verdade, a obra "Claudius", do alemão Gerhard Richter, avaliada em R$ 3,6 milhões.
"Explicaram que era uma obra de um artista importante", conta Wivian Diniz, coordenadora de bens móveis do Iphan. "Quando vi que era uma tela do Richter, levei um susto."
Mais pelo valor do que pelo fato de a obra entrar no país de forma ilegal. Esse desvio que levou o quadro de Richter a ser apreendido é comum no Brasil, país que não concede isenção de impostos a obras de arte.
Quando o trabalho de um artista é importado, mesmo que o autor seja brasileiro, a soma de impostos que incidem sobre a obra pode chegar a 42% de seu valor, pelo menos em São Paulo, já que as alíquotas incluem o ICMS, uma tarifa estadual.
Segundo informou a Receita Federal, em nota à reportagem, não há uma diferenciação entre produtos importados. Ou seja, qualquer objeto que entra no país é passível de tributação se não for isento de impostos.
"O descaminho [sonegação de impostos] de obras virou regra, é absurdo", diz Luís Nader, consultor da Unesco que estuda a questão a pedido do MinC. "Qualquer pessoa desse mercado admite, sem constrangimento, que isso é feito assim."
A Folha teve acesso à pesquisa. O documento sugere que obras de arte sejam isentas de parte dos impostos e que também seja ampliado o prazo de importação temporária de obras, ou seja, período em que trabalhos ficam no país para participar de exposições, que hoje é de seis meses, prazo "ridículo" na avaliação de Nader.
Entre outros esforços, o MinC está em negociações com a Receita para isentar de impostos as obras de artistas brasileiros que estão fora do país.
"É danoso punir colecionadores brasileiros que estão às vezes tentando repatriar obras", diz María Bonta, diretora de arte latino-americana da casa de leilões Sotheby's, que deve enviar uma carta ao governo brasileiro sugerindo a isenção de impostos. "Isso limita o volume de negócios que podemos fazer no país." (SM)
Fonte: Folha de S. Paulo
Estampado na capa do catálogo de um leilão paulistano, um trabalho de Adriana Varejão foi arrematado, na semana passada, por R$ 551 mil sob aplausos tímidos e um "parabéns" do leiloeiro. A quadras dali, colecionadores disputavam obras no pavilhão da Bienal, que pareceu pequeno demais no furacão da SP Arte.
Em dez anos, obras de Varejão, Cildo Meireles, Vik Muniz e Beatriz Milhazes chegaram a se valorizar até 5.000%.
A entrada de megainvestidores no mercado de arte também promete anabolizar preços. "É o ativo mais valorizado, mais do que ações, mais do que o dólar, mais do que o ouro", diz Heitor Reis, que está liderando um fundo de investimentos de R$ 40 milhões para comprar arte brasileira. "É superagressivo", diz a galerista Márcia Fortes. "Está demasiado acelerado."
Mercado opera em ritmo artificial
Com escassez de obras consagradas no mercado, trabalhos de artistas ainda em ascensão entram em espiral de valorização.
Estudo de investidores mostra que peças de Cildo Meireles, Adriana Varejão e Beatriz Milhazes valem 50 vezes o que valiam em 2000.
Num mercado enxugado pela altíssima demanda, obras de artistas consagrados, em geral os mortos, estão cada vez mais escassas, abrindo um vácuo para que as bolas da vez da arte contemporânea se transformem mais cedo que nunca em fetiche de colecionadores.
Beatriz Milhazes, Cildo Meireles, Vik Muniz e Adriana Varejão viraram cifrões luminosos em cartelas de investimento. Na cola deles, nomes da novíssima geração, como Thiago Rocha Pitta, Tatiana Blass, Henrique Oliveira e André Komatsu já sofrem especulação.
"Poucos ativos têm potencial de valorização tão grande quanto arte brasileira", diz Rodolfo Riechert, da consultoria Plural Capital. "É um dos melhores campos para investir."
Junto de Heitor Reis, ex-diretor do Museu de Arte Moderna da Bahia, Riechert criou um fundo de investimentos de R$ 40 milhões para arte brasileira. Um estudo que fizeram circula entre possíveis investidores e mostra que obras de alguns artistas hoje chegam a valer 50 vezes o que valiam há dez anos.
"Essa figura do investidor, que é comum lá fora, começou a aparecer também por aqui, gente que viu que comprar uma Beatriz Milhazes é um alto investimento", diz o galerista Oscar Cruz. "É sinal da evolução do mercado, é uma tendência."
No caso, tendência que leva o mercado a operar num ritmo artificial. A entrada de megainvestidores no circuito, às vezes mais interessados em lucrar com a revenda de obras em momentos estratégicos do que formar coleções, vem sustentando uma bolha especulativa e tornando menor o intervalo entre o momento em que o artista surge no circuito e a hora em que suas obras vão a leilão.
Espiral de valor
Trabalhos chegam a valer até cinco vezes sob o martelo do leiloeiro o preço que têm no cubo branco das galerias. Isso porque elas não têm "pronta entrega", nas palavras de Jones Bergamin, diretor da Bolsa de Arte, a casa de leilões mais importante do país. "Eles não têm como suprir a demanda do mercado, já que a rotatividade está muito intensa e o gosto muda muito rápido."
Dependendo desse gosto, séries específicas de alguns artistas, como as fotografias com diamantes, de Vik Muniz, ou as paredes que simulam charque, de Adriana Varejão, entram numa espiral descontrolada de valores. Isso pode estancar a demanda por esses artistas e levar a uma eventual desvalorização, ou seja, ao estouro da bolha.
"Tem gente que retira obra da galeria e manda entregar na casa de leilão", diz Márcia Fortes, da Fortes Vilaça. "É péssimo porque essas pessoas não representam o artista, só trabalham a especulação da obra", diz o galerista André Millan. "Mas não tem controle, a gente não comanda o espetáculo."
No máximo, galeristas tentam conter a alta excessiva dos valores comprando de volta obras de seus artistas que surgem no mercado. Até vão a leilões para resgatar suas obras e evitar que não sejam vendidas.
Mas, enquanto galeristas no país se assustam, esse movimento é normal no mercado internacional, sinal de que o país se aproxima de hábitos de consumo praticados lá fora. "Isso é bom, a gente tem de abrir a cabeça", diz Maria Baró, galerista espanhola radicada em São Paulo. "Isso de ficar marcando território é um erro."
(SILAS MARTÍ)
Impostos sobre obra de arte podem chegar a até 42% de seu valor em SP
Na semana passada, uma agente do Ministério da Cultura recebeu uma ligação da Receita Federal. Diziam querer doar ao Iphan uma obra de arte apreendida em 2009 no aeroporto de Viracopos. A tela, que chegou numa caixa com valor declarado de US$ 1.200, é, na verdade, a obra "Claudius", do alemão Gerhard Richter, avaliada em R$ 3,6 milhões.
"Explicaram que era uma obra de um artista importante", conta Wivian Diniz, coordenadora de bens móveis do Iphan. "Quando vi que era uma tela do Richter, levei um susto."
Mais pelo valor do que pelo fato de a obra entrar no país de forma ilegal. Esse desvio que levou o quadro de Richter a ser apreendido é comum no Brasil, país que não concede isenção de impostos a obras de arte.
Quando o trabalho de um artista é importado, mesmo que o autor seja brasileiro, a soma de impostos que incidem sobre a obra pode chegar a 42% de seu valor, pelo menos em São Paulo, já que as alíquotas incluem o ICMS, uma tarifa estadual.
Segundo informou a Receita Federal, em nota à reportagem, não há uma diferenciação entre produtos importados. Ou seja, qualquer objeto que entra no país é passível de tributação se não for isento de impostos.
"O descaminho [sonegação de impostos] de obras virou regra, é absurdo", diz Luís Nader, consultor da Unesco que estuda a questão a pedido do MinC. "Qualquer pessoa desse mercado admite, sem constrangimento, que isso é feito assim."
A Folha teve acesso à pesquisa. O documento sugere que obras de arte sejam isentas de parte dos impostos e que também seja ampliado o prazo de importação temporária de obras, ou seja, período em que trabalhos ficam no país para participar de exposições, que hoje é de seis meses, prazo "ridículo" na avaliação de Nader.
Entre outros esforços, o MinC está em negociações com a Receita para isentar de impostos as obras de artistas brasileiros que estão fora do país.
"É danoso punir colecionadores brasileiros que estão às vezes tentando repatriar obras", diz María Bonta, diretora de arte latino-americana da casa de leilões Sotheby's, que deve enviar uma carta ao governo brasileiro sugerindo a isenção de impostos. "Isso limita o volume de negócios que podemos fazer no país." (SM)
Fonte: Folha de S. Paulo
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